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Extorsão, queda na renda e caçambas cheias: a vida dos catadores na pandemia em SP


fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/05/05/extorsao-queda-na-renda-e-cacambas-cheias-a-vida-dos-catadores-na-pandemia-em-sp
categoria: Coleta Seletiva

Superlotação de caçambas em "Ecopontos" e pagamento de propinas são a síntese do serviço prestado nas unidades centrais

Pedro Stropasolas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

 05 de Maio de 2021 às 08:39

 

"20 km por dia, puxando quase 1300 quilos, porque só um carrinho desse pesa 400 quilos vazio para você ter uma ideia. Não é fácil", conta o catador Rodrigue Lucena - Pedro Stropasolas

Em São Paulo, puxar carroça, recolher entulhos e limpar a cidade - muitas vezes sem equipamento de segurança - é um trabalho exaustivo e que não vem sendo valorizado

“Todos nós catadores somos honestos, é um trabalho digno e honesto, e eu não quero sujar a rua, jamais. Eu quero mostrar o que eu posso fazer, limpar o planeta, fora as outras doenças que estão chegando mundo afora, por causa da sujeira. O planeta não aguenta mais”, desabafa o catador Rodrigue Lucena, que atua na região central.

 

A realidade do trabalhador é a mesma de muitos catadores informais que hoje dependem dos 115 Ecopontos do município. Por conta da superlotação, especialmente em unidades da região central, a impossibilidade de depositar materiais nas estruturas têm diminuído o número de serviços diários e afetado a renda de uma categoria que já vive um cenário crítico desde o início da pandemia.

Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR), os catadores tiveram uma redução de 80% em sua renda mensal, que era de cerca de um salário mínimo antes da pandemia.

::Como vivem os catadores de recicláveis na cidade de São Paulo?::

Nos Ecopontos, administrados atualmente por seis consórcios terceirizados, pode ser depositado até 1,3 metro cúbico de resíduo por pessoa, o que equivale a aproximadamente 25% do volume de uma caçamba. 

As estruturas, que além de catadores são utilizadas por empresas privadas e pela população residencial do entorno, foram criadas para coletar desde resíduos de construções e demolições a restos de móveis de madeira.  

Na unidade Glicério, nas proximidades da Rua 25 de Março, apesar do totem da prefeitura, há apenas uma caçamba disponível para o descarte de entulhos. A reportagem foi até o local e constatou que o material da estrutura desde a última sexta-feira (30) não é esvaziado e encaminhado às centrais de triagem, para ser reciclado.

“Nós andamos 3,5 km para poder descarregar o entulho, com o carrinho cheio de material, eu não posso descarregar no Ecoponto porque está cheio. A caçamba para madeira está vazia, mas a caçamba de entulho está cheia, então o que acontece, eu vou ter que esperar outra caçamba chegar”, afirma Lucena, acompanhado da reportagem.

“Eu já cheguei aqui às seis da tarde e fui sair meio dia do outro dia. Eu dormi aqui, para você ter ideia, para não jogar na rua”, completa.

"Traz minha caixinha"

No Ecoponto da General Flores, no Bom Retiro, além de caçambas cheias, os catadores enfrentam o problema das propinas. Uma conversa de Whats App enviada ao Brasil de Fato revela que os materiais só são recebidos com o pagamento ilegal a funcionários da unidade.


Levar a "caixinha" é a condição para os catadores conseguirem depositar seus materiais em Ecopontos da cidade de São Paulo / Reprodução

 

“Lá na General Flores, não tem câmera, aí que é mais fácil ainda deles ganharem dinheiro. Para você ter ideia, chega dias deles ganharem um salário mínimo com essas cobranças. Um cobra 50, outro cobra 100, outro, 300 (reais)”, afirma um catador, que não quis ser identificado. 

Carlos Thadeu de Oliveira, especialista em Advocacy da ONG Pimp my Carroça, aponta que já foram feitas várias denúncias à Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB) envolvendo o esquema de propinas, mas nada foi resolvido. 

Ele avalia que a recusa do recolhimento de materiais dos catadores é injustificada e tem caráter discriminatório por parte da administração dos locais. 

“Eles são remunerados para ter lá sempre caçambas disponíveis para esse descarte, seja do comércio, seja da residência, seja do catador. O curioso é que a gente nunca recebeu relato nenhum de usuários residenciais que chegassem lá e não pudessem descartar”, revela Oliveira. 

"Lixões" em frente aos Ecopontos

A falta de espaço nas caçambas tem sido o motor para o surgimento de lixões a céu aberto no entorno das unidades, onde muitos catadores, por necessidade, acabam descartando seu material.  É o que foi presenciado pela reportagem na unidade Glicério. 

O cenário é contraditório à própria função social dos Ecopontos, que foram criados justamente para acabar com o despejo irregular de materiais nas vias públicas, reduzindo o risco de enchentes e de doenças à população.

De acordo com a AMLURB, em 2020, mais de 455 mil toneladas de resíduos foram coletadas nos Ecopontos, um aumento de 1,7% em relação a 2019. 

O último balanço da prefeitura sobre o funcionamento dos Ecopontos também aponta que desde 2016 foi registrada uma diminuição de 50% dos pontos de descarte irregular na cidade. Hoje, são 1.980 pontos, segundo a gestão municipal.  

“Nessa região do centro, na Praça da República, Princesa Izabel, Largo do Arouche, Santa Cecília, você vê muito entulho jogado, porque os catadores não querem 'passar veneno’. O que é 'passar veneno', é ficar o dia todo para jogar um carrinho de entulho”, explica Lucena. 

 

 

 

 

 

 

 


Por falta de espaço nas caçambas, entulhos são descartados em frente ao Ecoponto Glicério, na região central / Pedro Stropasolas/Stropasolas

Falta de auxílio emergencial

Segundo último levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2017, o Brasil tinha em torno de 600 mil catadores em atividade. Hoje, a estimativa do Movimento Nacional da categoria já alcança 1 milhão de profissionais. Desse total, apenas 5% está vinculado a cooperativas ou associações. 

Em meio ao cenário, a ONG Pimp my Carroça lançou neste mês a segunda campanha de solidariedade destinada aos carroceiros e suas famílias. A meta é garantir o mínimo: a segurança alimentar dos catadores - que respondem por quase 90% de toda a reciclagem feita no país. 

Atualmente, a realidade se tornou ainda mais difícil, com a redução do auxílio emergencial pelo governo federal e com o fim do benefício assistencial concedido pela prefeitura de São Paulo em 2020.

No ano passado, o município concedeu, por três meses, uma assistência remunerada de R$1.200 para 1.600 catadores anônimos e 905 famílias associadas às 24 cooperativas do Programa Socioambiental de Coleta Seletiva da cidade

“Esse ano, a situação tá pior, as pessoas estão com renda menor ainda, estamos já há 14 meses na pandemia. Muitas delas estão se desfazendo até das suas ferramentas de trabalho, vendendo a carroça para poder comprar a comida da semana da família. Elas estão passando fome”, aponta a liderança do Pimp My Carroça. 

A campanha pode ser acessada clicando aqui. Os beneficiários do projeto são catadores registrados no Cataki, aplicativo do Pimp My Carroça que conecta catadores com empresas que emitem grandes quantidades de resíduos.

Outro lado

Brasil de Fato entrou em contato com a Prefeitura Municipal de São Paulo. Em nota, a Secretaria Municipal de Subprefeituras, por meio da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB), informa que realizou, na tarde desta terça-feira (4), uma vistoria nos Ecopontos Glicério e General Flores e foi constatado que as caçambas nos locais estavam aptas para o recebimento de entulho (até 1m³/dia).

Informou também que os funcionários das unidades foram instruídos a orientar e oferecer todo suporte necessário aos catadores no momento do recebimento dos resíduos, a fim de incentivar o descarte correto. A operação de limpeza também agendou uma ação de remoção de resíduos no ponto viciado em frente do Ecoponto Gerenal Flores e que a frequência de coleta das caçambas é diária. Sobre o ponto viciado em frente ao Ecoponto Glicério, não houve resposta.

Em relação a denúncia do recebimento de propinas nas unidades, a AMLURB informa que "o serviço dos Ecopontos é totalmente gratuito e que, até o momento, não foi recebida nenhuma denúncia formal relatando cobrança pelo serviço, para que fosse possível abrir uma apuração interna".

Edição: Vinícius Segalla

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